Encostas-te à pedra. Parece-te
absurdo que ali, onde só vês campos verdes e a sombra da montanha, o mar tenha
chegado para suavizar a pedra a pensar em ti. Sabendo que um dia precisarias de
ali repousar. E no entanto, sabes que assim foi. E tão bem o fez que não te
magoa as costas quando te encostas, não te tapa o sol quando precisas de te
aquecer, não o deixa passar quando fustiga a pedra, não deixa que o vento te
perturbe e só a brisa suave te acaricia os cabelos e os ombros.
Não precisas de sair
dali. Tens tudo. Tudo se suavizou para preparar a tua vinda. As rosas
silvestres que caem da mata cobrem-se de ervas para libertar aos poucos o aroma que, intenso, te
seria insuportável. Os animais mal tocam o chão e olham-te de longe, na
esperança que um dia suportes a sua presença. Nada te incomoda. Tudo está
suspenso. A vida vem até ti. A água vem até ti e é fresca e pura e o riacho
sabe conduzi-la devagar até aos teus pés. Demora o tempo necessário para o sol
cortar o frio da neve nos picos. E o que sentes na ponta dos dedos dos pés é
uma carícia tão suave, tão à temperatura da tua pele, que podias bem não o
sentir. Sentes se quiseres.
Eu vim até ti. E só
consigo olhar para os teus olhos enormes, perdidos, e limpar as lágrimas que
não param de cair. Faço-te perguntas. Passo o dia a fazer-te as perguntas que,
de noite, aperfeiçoo na minha cabeça. Tenho a certeza que não sei fazer-te as
perguntas certas ou já terias encontrado a resposta. Tenho a certeza de que da
minha incapacidade de te perguntar o que importa resulta o que tu não sabes.
Nada te pesa. Nada te falta. Tudo se preparou para ti. Tudo te espera. Tudo
quer que tu fiques. Tens tudo o que precisas e eu estou aqui e seguro-te na
mão. E no entanto. Choras todo o dia encostada à pedra a que te afeiçoaste mais
do que a mim. Parece que as duas partilham de uma qualquer natureza do que é,
do que sempre foi, e do que, apesar do
absurdo, está no nosso caminho e é intorneável.
Parece-me que, se for
embora, não notarás a diferença. Suspeito que só eu preciso da resposta que
continuo a pedir-te. Nada parece conseguir mudar a tua necessidade de te
encostares à pedra e chorares. Olhas para cima. Olhas a montanha. Sei que tenho
de te perguntar sobre a montanha e tento encontrar as perguntas certas. Sabes
que não precisas de a subir não sabes? Sei. Sabes que nada está preparado para
ti naquela montanha? Sei. Sabes que vais sofrer, cair, esfolar-te, partir-te,
escorregar, perder as forças? Sei, sei, sei, sei, sei, sei. Tens de ir? Tenho.
Porque choras? Porque não sei o que faço aqui. E na montanha, saberás? Não sei.
É por isso que tenho de ir. Quando lá chegar, saberei.
Levantas-te e segues. E
afinal eu tinha razão. Das minhas perguntas erradas corriam as tuas lágrimas.
Da minha incapacidade de te fazer as perguntas certas, a tua paragem. De
compreendermos os dois o que antes de perguntar não sabíamos, a tua ida.
RD, 11.01.2013