Pegou-lhe no pulso e puxou-a delicadamente. Avançou devagar como se se aproximassem do fim do território conhecido. Apontou, emocionado, para a frente dos pés de ambos, uma sombra no chão, a luz era já pouca. Ela esforçava-se para ver o que ele lhe mostrava com tanto entusiasmo, calado pela emoção. Depois percebeu e não deu tempo à surpresa, não podia dar. Ou talvez não fosse exactamente uma surpresa, talvez já o soubesse há muito tempo, desde sempre.
Falou, sem parar, sem hesitar. Sentindo que tinha de lho dizer, que o ia magoar, pôr em causa uma parte importante dele, mas, se não o fizesse, nenhum dos dois se salvava, ele também não. Falou a apontar para o mesmo sítio que ele apontara, como se visse o que ele via.
O que me mostras é só teu. Não mo devias dar, não mo devias sequer mostrar. Tudo isto que me queres dar, não existe, não tem nada meu, não tem nada nosso. Tudo o que vês, daqui até ali, foste tu que o construíste. Consegues ver o que é meu? Foste tu que o puseste lá. Mas são espaços paralelos, a solidão deles vê-se daqui, estão ao lado um do outro e não se tocam. O que é meu e o que é teu é facilmente separável. Não há aqui nada nosso, não o quero.
Tirou devagar o braço da mão dele, que não ofereceu resistência. Ele estava paralisado, a olhar para onde ela apontara. Apesar de ser o mesmo sítio, não apontara para o mesmo que ele, não vira o que ele lhe quisera dar.
Não sabia o que responder. Estava zangado, sobretudo consigo próprio, por não ter previsto a reacção dela. Se a construção dele tinha um defeito, era esse: não ter previsto o eterno feminino de nunca ficarem satisfeitas com o que se lhes dá. Fizera tudo aquilo para ela. Inventara aquele amor para ela. Perfeito, sem uma falha. Deu-lho, pô-lo nas mãos. O amor mais perfeito que a humanidade tinha conhecido, concebido, planeado, construído por ele. E ela recusara-o. Pior, não o reconhecera. Dizia-lhe que o que ele lhe dava não existia fora dele. Era só dele, apaixonado pelo amor, apaixonado pela perfeição do que criara. Com o único defeito de precisar dela para existir. Ou talvez nem precisasse, talvez pudesse passar sem ela, ficar ali sozinho a olhar, fascinado por aquela perfeição.
E agora? Não sei, sou só a narradora. Estas personagens difíceis que se metem em histórias desencontradas esperam sempre que alguém lhes resolva os problemas, lhes encontre uma solução dramática, trágica ou feliz. Estou cansada destas personagens que se inventam, inventam problemas, inventam amores inventados e esperam que lhes resolva a vida. Não, desta vez não, meus amigos. Leiam alguma história que vos sirva de inspiração, vejam um filme do Woody Allen, o que quiserem. Eu vou ler um livro de ficção que fala de gente com problemas reais e que não se dedica a inventar a vida de outros. Vão à vossa vida.
RD, 21.11.2011
RD, 21.11.2011