Para o meu amigo Pedro, por conseguir ver para lá da desilusão.
É-te fácil aceitar a desilusão quando és tu que te iludes. Se compras um eletrodoméstico caro e achas que te vai dar sentido à vida, és tu que te iludes. E és tu que percebes que, depois de ligado e de repetir durante uns dias “ai que maravilha”, para te absolveres do preço absurdo que pagaste, continuas a sentir-te só.
Se te casas de cada vez vestida de branco, a achar que desta é que é, que vai ser tudo perfeito, que o vinho vai estar à temperatura ideal e que todos vão dar o número necessário e exato de gargalhadas, és tu que te iludes. E és tu que descobres que afinal também esta vez não contou, enganaste-te, eras muito nova, já não eras tão nova, estavas distraída, anulem isso que tu queres fingir outra vez que desta é que é a sério.
Se achas que as crianças vão comportar-se como animais de circo, fazer o seu número na perfeição, manter-se limpos naquele restaurante tão chique (agora diz-se fancy, fino é foleiro, só usado por quem não é fancy) sem partir os copos mais altos do que a cabeça deles, és tu que te iludes. E és tu que descobres, afinal, que fazem melhor figura à solta, a brincar, crianças que são.
Se és tu que esperas que adivinhem exatamente os presentes que querias no Natal, aqueles que iam deslumbrar os teus amigos, que te iam servir na perfeição e ainda assim ser uma surpresa, és tu que te iludes. E és tu que descobres que afinal as pessoas não te conhecem assim tão bem se te oferecem um livro qualquer para ler. Ou já o tens ou, se não o tens, é porque não o queres ler. Ou se te compraram um presente igual a outro que já te tinham dado. Ou se erraram no número, no destino, tu detestas resorts, já toda a gente devia saber.
E assim a criança que foste cresce e aprende o princípio da realidade. Por muito que o rejeites, que lhe conheças o cinismo que te cobra, conhece-lo, sabes quando podes brincar com ele, quando podes soltar a criança e deixá-la esperar a magia impossível sem que a desilusão seja demasiado dolorosa. Uma pequena pontada, apenas. Que triste, não se preocupam assim tanto contigo, não és o centro do universo. E a criança cresce. Como dirias tu, meu amigo, são os processos.
Apesar de ainda hoje ter desejado que alguém adivinhasse que me apetecia uma laranja numa tarde chuvosa e ninguém ter aparecido. Às vezes, ainda espero que apareças, mesmo depois da porta se ter fechado.
E como aprendes a recuperar quando são os outros que te desiludem? Não por esperares demasiado deles, mas por te fazerem acreditar que te podiam dar mais. Tu mordeste, e era ouro. Tu seguraste-lhe a mão e era firme. Perguntaste-lhe por onde vamos e ele apontou a direção. Ele disse-me “sabes onde me encontrar” e eu acreditei que estaria lá. Ele disse-me “fica comigo” e eu fiquei. Ele nunca magoaria uma criança. Verificaste, asseguraste-te, mediste os passos. E, no entanto.
RD, 04.01.2011
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