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sábado, 7 de abril de 2012

The Wall


Encostou as costas suadas à parede fria. Nem assim conseguia a imobilidade de que precisava. O gelo cristalizado nas rochas tornava-as escorregadias e ele deslizava. Precisava de parar. Precisava de sentir que podia parar e continuar. Tinha passado os últimos tempos de que tinha memória a andar ao longo do muro. Não sabia quando tinha começado. Já não sabia se iria acabar. Já só queria saber que era possível parar e voltar a andar. Coisas simples, para qualquer pessoa. Aquela não era uma situação simples.

Tinha começado por andar, com os pés enterrados na neve, com a neve tornada gelo, com o gelo tornado pés, cada vez mais pesados, ao longo de milhas e milhas. Andou de dia e de noite. Não precisava de luz, o muro acompanhava-o à esquerda e ele só tinha de o seguir. De noite, brilhava o gelo e continuava a fazer sombra. Um dia, muitos dias depois, não havia tempo por ali, percebeu que talvez não tivesse fim. E que teria de voltar para trás, todos os dias que andara, todas as noites, e recomeçar. Andar em sentido contrário, com o muro agora à sua direita, até os pés enterrados na neve serem gelo, até a distância ser tão grande que já a primavera derrete a neve e os pés vão ficando mais soltos, até sentir a sombra do muro como um alívio e não o peso que o tinha esmagado tantos dias e tantas noites.

Não encontrou o fim do muro. Encontrou o tempo, como encontraria para qualquer direção em que andasse. Sentou-se à sombra, encostou as costas às rochas ainda frias, mas já não geladas, fios de água a corer nas frestas, ervas a despontar aqui e ali. Não encontrara uma falha. Uma porta. Uma entrada, uma passagem. Começava a pensar como viveria se tivesse de ficar para sempre daquele lado. Nem sabia quanto era para sempre, tinha aprendido a medir tudo em distância. Daquele lado não havia para onde ir. Era o fim do mundo. Só lhe restava o caminho ao longo do muro. Tão alto que nada o conseguiria ajudar a subir.

Seria mais fácil se não a ouvisse do outro lado. Agora que encontrara o lugar do sol, ouvia-a. As gargalhadas límpidas ecoavam e vibravam no muro, vibravam dentro dele.  Fechava os olhos e conseguia vê-la, a memória da pele fresca, os cabelos em desalinho, os olhos ávidos de vida, o sorriso cheio de luz. Por vezes, achava que conseguia cheirá-la, mas não acreditava que o cheiro dela pudesse passar as pedras. Nada passava as pedras. Sentia-a do outro lado e isso dava-lhe ânimo. Quando não lhe dava desespero. Quando não passava horas a gritar até perder a voz, na esperança de que ela o ouvisse, de que a sua voz passasse a pedra, de que a sua vontade fosse mais forte do que o muro que demoraram centenas de anos a construir para deixar de fora quem não tinha o direito de estar dentro. Mas sabia que ela não o ouvia. Não interrompia as gargalhadas. Não lhe devolvia uma palavra. Teria feito diferença se conseguissem falar? Tornava a impossibilidade de sair dali menos penosa? Tinha a certeza de que sim, menos quando o desespero o invadia e sabia que nada, nunca, ninguém o salvaria da solidão. 

RD, 07.04.2012

3 comentários:

  1. Acutilante como sempre. Está proibida de parar de escrever. :)
    Pedro

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  2. Desde sempre uma perícia e o dom de nos envolveres com a tua escrita...

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