É ali que tu paras. É ali que decides. Sabes, de um saber feito da experiência de milhares de outros antes de ti, de milhares de anos atrás de ti, o que acontece. E ainda assim, a tua decisão, mil vezes testada, mil vezes vivida, não é mais fácil.
É ali que tu paras. Mas sabes que não podes continuar ali parado muito tempo, porque alguém decide por ti, um empurrão apressado e já estás no caminho que não escolheste. O que não seria mau, afinal. Assim, alguém teria decidido por ti e tu poderias ilibar-te da decisão, das consequências. Sabes a cobardia da solução, mas ali, onde estás, até tu consegues aceitar ser cobarde. E no entanto, ninguém chega. E tu tens de decidir ou então a vida vai passar por ti e tu ali parado. A conjecturar. Como seria se tivesse escolhido o outro caminho?
A dicotomia é banal: o seguro, o conforto, o esperado de ti. O que tu controlas e não te ameaça. O que é planeável e previsível. Ainda assim, não é fácil e não aceitas que te julguem por teres escolhido o mais fácil, tal como tu julgaste muitos antes de ti. O conforto paga-se sempre muito caro, deixas ali, naquele lugar, naquele momento, a parte de ti que sabe voar. E escolhes ficar preso ao chão para sempre. E é legítimo que o faças, consegues defendê-lo. É isso que garante o funcionamento do que alguém decidiu dever funcionar assim. É isso que garante a segurança dos que te rodeiam e dos que dependem de ti. É isso que os mantém presos a ti e e ao chão, numa cadeia interminável de segurança, todos amarrados uns aos outros.
Gostavas de saber se toda a gente terá passado por ali, em algum momento da vida. Gostavas de ver os dados estatísticos. Talvez pudesses tomar uma decisão fundamentada nos dados.
E é tão fácil escolher o outro caminho, é o mais fácil de escolher. É fácil justificar, também. Tu mereces. Sempre fizeste o que esperavam de ti, até melhor. Toda a gente tem direito a tentar aquele caminho, uma vez que seja na vida, milhões de vezes na vida do planeta. E sais de ti e és maior e sabes o que é voar e viver com os pés libertos do chão. E tudo é luminoso e inteiro e pleno. Como não saber o que é sentir-se inteiro uma vez na vida?
Mas também sabes que terás de voltar. E confessas, afinal, que não é a primeira vez que estás ali e que já escolheste aquele caminho antes. E que te lembras da leveza, todos os dias. Tal como te lembras da pele esfacelada quando voltaste ao chão, das feridas em carne viva que te deixaram cheio de marcas. Da dor do peso.
Lembras-te disso tudo e ainda pensas em dar um passo e experimentar de novo. Estará a pele suficientemente forte? E assim que começares a senti-la rasgar-se? Aguentas a dor do peso de novo? Sim, tu sabes que, por aquele caminho, tens sempre de voltar atrás. Os outros não te deixam lá ficar. Se deixassem, teriam todos de ir também.
Tudo isto tu sabes e por isso continuas parado. Sabes demais. Talvez só não saibas ir além do medo.
RD, 14.03.2012