Ao chegar aos quarenta, apercebo-me de que, afinal, ainda não cresci nada. Talvez venha daí a minha recusa em querer ter quarenta, porque isso significa que vou ter ainda de aprender muito, e aprender dói sempre tanto e eu tenho tanto medo da dor, que preferia pensar que posso ficar sempre inocente e sempre pequenina e que nada me pesa.
Em véspera de crise de idade, fico sobretudo confusa por ter deixado de perceber o que é leve e o que é pesado na minha vida. E isso desorganiza-me tanto, que preciso de o disfarçar com grandes birras de diversos tipos, para esconder a causa real do mal-estar. Nunca achei que o mundo fosse a preto e branco e cedo me interessei pela natureza complexa das pessoas e das coisas. Quem gosta de ler acaba por fazê-lo mesmo sem o querer. Ninguém é totalmente mau e impossível de ser amado, como ninguém é puramente bom e digno da nossa profissão incondicional de fé. Somos isto e aquilo, bons e maus, feios e bonitos e há momentos em que somos o tudo ou o nada e nem sequer fizemos por isso.
Mas (hoje é com mas). Mas sempre separei na minha vida o que punha do lado do peso e o que punha do lado da leveza. Sem julgamentos de valor ou de beleza associados. Apenas aquilo que me era leve, que me fazia leve, separado do que me prende ao chão, do lastro que carrego.
Não era uma separação simples. Não se tratava de separar trabalho de férias, por exemplo. No trabalho, há momentos de extraordinária leveza, de pura criação, de grande gratificação. Nas férias, e apesar de viver para elas, há momentos de total sacrifício ao que esperam de nós, à cor que devemos ter, às horas de conversa banal que devemos aguentar. Mas (outro mas) era uma separação natural, essencial. O que consigo, torna-me leve. O que faço mal, pesa-me.
Neste momento, não sei e vou ter de o aprender até à próxima semana, porque não quero entrar nos quarenta tão despreparada. Consigo resolver problemas que achava que me fariam fugir e, no entanto só me pesa o que tive de fazer para o conseguir. Não consigo corresponder a expectativas que me disseram ter a meu respeito e sinto-me mais leve por isso. As minhas relações de amizade são a leveza de uma alegria descontraída, sem protocolo, e são uma obrigação de uma resposta sempre em falta. O meu país, a minha casa, a minha família são a leveza do que conheço, confio e faz parte de mim sem esforço. Mas são o peso da minha ausência, o que não faço porque não estou. Este país, esta casa, esta família são a leveza do que é novo e todos os dias diferente. E são o peso do que não tem a sustentação do apoio de todos os que aqui não estão.
E nesta desorientação de pesos, vivo numa bipolaridade constante que me é estranha, porque tudo está fraturado e nada é inteiro. E não há leveza por metade. Nem meio peso. E a divisão não pode ser artificial. Ou pode, mas não é minha. Talvez tenha de ir aceitando que nada é inteiro e que isso é a vida. Feita de meios pesos, de meias levezas. Pedaços de leveza que de repente ganham peso. Pacotes pesados que, por momentos, perdem a substância e me elevam. Se fosse pessimista, bastar-me-ia aceitar e dizer: eu já sabia que isto ia acontecer. Otimista que sou, vou ter de trabalhar muito para esta nova organização que se avizinha. Vou ter de aprender a insustentável leveza dos quarenta.
RD, 19.02.2012
:):) Ou ter de alterar a nomenclatura e aceitar que nada tem peso a não ser aquilo que nós decidimos pesar :)
ResponderEliminarMuito gosto eu da tua escrita! Gostava de escrever assim mas...o meu negócio está mais virado para números. Bjn
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