Um dia, numa das muitas e belas dedicatórias que Saramago fez a Pilar, escreveu: A Pilar, minha casa. Ainda hoje me dói a beleza deste amor, numa fórmula tão pequena e tão pungente. Completa, perfeita. Para além do bonito que é dizermos a alguém que é a nossa casa, dizendo-lhe com isso que a nossa casa é onde o outro estiver e em mais nenhum sítio do mundo, há ainda o pilar e a casa.
Não vemos os pilares das nossas casas. E, no entanto, derrocavam sem eles. Os pilares são a fundação sobre a qual construímos o que somos. O que nos apoia, o que nos sustenta, o que há de mais profundo e resistente em nós.
Nada os abana, reconstruímos uma casa, deitamos as paredes abaixo, queremos tudo novo. Mas os pilares continuam lá. E tapamo-los com cimento ou betão ou lá o que se usa para fazer paredes. Vidros enormes, transparentes, que refletem o mundo lá fora e a nossa vida cá dentro. Pedras magníficas que parecem encerrar nos veios a vida da terra de onde foram extraídas. E os pilares sempre tapados.
Não passamos a mão pelos pilares para sentir a textura da madeira, o frio da pedra, o corte do vidro. Não nos encostamos a eles para descansar. Para isso temos o sofá, tão confortável, um modelo moderno, uma chaise longue, todos nós rebolados no conforto de almofadas, lambuzados em chocolates e filmes pagos sem sair de casa. E esquecemo-nos, por momentos, de que eles estão lá, os pilares.
Só se eles falharem lhes sentimos a falta. Não há estrutura que aguente. E nós vamos por ali abaixo com a pedra rachada, os vidros mágicos transformados em lâminas de sangue, a madeira em armas de arremesso, tudo cai em cima de nós e tudo se afunda connosco.
Os pilares estão lá. Silenciosos. São o que nos aguenta, quando achamos que tudo se afundou. São o que nos dá segurança para, aí sim, nos agarrarmos a eles e nos levantarmos e começarmos de novo. Só eles viram a queda, só eles sabem como ficamos quando somos entulho. E aguentam e continuam lá. Para começarmos de novo, para este esforço sempre renovado de fazer melhor, uma casa de palha, uma casa de paus, uma casa de tijolos. Com pilares.
Os meus são quatro, só conheço esta estrutura quadrangular. Confiança. Amor. Alegria. Discernimento. Sobre eles reconstruo a todas as vezes o edifício frágil que é a minha interioridade feita de belas arquiteturas, tortuosas, algumas, elegantes, outras, uma curva aérea do Niemeyer, uma linha pura do Siza, tudo dentro de mim quando quero ser mais leve e mais alta e maior. Porque tenho os meus pilares. Eles estão lá. Mesmo quando os tapo e os escondo, ou prefiro fingir que não preciso deles. E são pessoas, quatro, cada uma delas com a sua missão pesada de aguentar os meus exercícios cada vez mais loucos, cada vez mais altos. E aguentam, e eu cresço e não tenho medo da queda.
Eu sei que também sou um pilar para cada um deles. Se calhar, não o mesmo, se calhar não o que eles queriam. Mas sou a certeza de alguma coisa para alguém, e a certeza de uma coisa boa que o ajude a elevar-se, nem que seja sem tirar os pés do chão.
Aos meus pilares, a minha casa.
RD, 07.02.2012
Que pilares tão belos! Que escrita maravilhosa! Escorre pelo ecrã como as lágrimas escorrem pela face durante a leitura desta declaração.
ResponderEliminar«Seguro assento na coluna firme
ResponderEliminarDos versos em que fico...» (Ricardo Reis)
Imagina, Regina, do que me foste lembrar!
Muito bom...
Beijos,
Maria Manuel