Dizias-me sempre, em voz baixa: "querida,
sabes que é melhor assim. Fica um tom dourado, tudo ameno, tu acabas por te
habituar e nem te lembras já que a luz era diferente". Tento fixar-me nos teus
olhos, tento que a serenidade que mostras seja minha também. Se eu não
desconfiasse de ti, era mais fácil. Mas desconfio, sei que não é verdade o que
me dizes, o que me contas e tento acreditar, tento que seja verdade, porque sem
isso perco-me e não sei o que fazer.
"Tu és demasiado intensa, querida, sabes
que é verdade. A luz que sai de ti não deixa ninguém abrir os olhos e tu sabes
que eu gosto de olhar para ti. Se me deixares rodar o botão, devagarinho, a luz
vai baixando, suavizando, e tu só te sentes acalmar. Mais nada. E assim podemos
ficar de olhos abertos e aguentamos olhar um para o outro.”
“Prometes que não rodas o botão
totalmente? Não rodas até ao fim? Não me apagas? Por favor, diz-me que não me
apagas."
"Claro que não te apago. Já to disse
muitas vezes, desde que te coloquei o
botão. Só ponho a luz a um nível sustentável, na intensidade em que todos
vivemos, menos tu. És demasiado intensa, tu sabes disso. Nem eu consigo viver
com a tua intensidade, muito menos os outros. E eu nunca te apagaria, só te
suavizo."
Tento acreditar nele, mas sei que não é
verdade. Não tenho provas, mas sei que às vezes ele roda o botão até ao fim.
Ouço o clique. Sinto-me desaparecer, apagar-me, desvanecer-me. Alguma coisa
dentro de mim se vai encolhendo à medida que ele roda o botão e que a minha luz
se suaviza. Cá dentro, nada é suave. É uma perda de fôlego, um encolher-me por
dentro. Até ao clique. E sinto de novo
quando me liga, sei que há ar e só engulo água, respiro em grandes e sôfregos
fôlegos, engasgo-me e duvido que consiga voltar a respirar. Naqueles segundos
que demoro a retomar a vida, em que recomeço a viver a cada segunda-feira,
sinto o medo de já não saber respirar, o medo de não saber onde estou, de
acordar fora de mim, de não saber quem sou. E acordo e pergunto o que se passa
e tu dizes-me, invariavelmente, “estavas a ter um sonho agitado, já passou,
está tudo bem.”
Disseste-me uma vez que não suportavas a
ideia de ver outros olhos iluminados pelos meus. Será por isso que a cada vez
me apagas?
Vivo assim, encolhida, com a intensidade reduzida
no nível que tu calculaste ser o certo para poderes abrir os olhos, para ser tolerável e não luz intensa,
que tudo ilumina, que não deixa espaço para sombras, que tudo revela, sem o sépia
que disfarça as imperfeições.
Tu não sabes que, quando não estás,
experimento rodar o botão. Achaste que o cravavas bem fundo, num sítio onde eu
não chegasse. E eu sei que não te devo dizer que lhe chego. Estendo a mão e
rodo devagarinho, para me habituar a mim mesma, esquecida do que sou neste tom
suave em que me manténs. Aos poucos consigo habituar-me a ver tudo sem sombras
e sem filtro suavizante. E nada me parece feio e assustador, apenas inteiro e
vivo. Sei que tenho de voltar a rodar o botão para a posição em que o deixaste,
decorei-a com a ponta dos dedos. Despeço-me devagar do brilho do que é a vida
inteira e sinto-me encolher de novo. Um dia, talvez consiga perder o medo de
que os outros não consigam abrir os olhos na minha presença. Nesse dia fujo.
Arranco o botão, com ele no máximo e saio para o mundo. E sei que não me
seguirás, porque se calhar só tu não consegues abrir os olhos.
RD, 03.06.2012
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