Leva-me ao fim da terra e deixa-me lá. Leva-me ao alto da montanha, com uma manta e um chocolate, e deixa-me lá. Leva-me pelo rio até ao mar e deixa-me lá. Devia ser assim. Mas deixam-nos na beira da estrada, que nem berma é, acossados pelo barulho dos motores e pelo chiar das rodas que nos leva, confusos, para o meio, para o atropelamento, a perna encolhida, um coxear de cão que ninguém quis. Ninguém nos leva a dançar até ao fim do amor. Não levamos ninguém a dançar até ao fim do amor. Não somos generosos o suficiente, o tempo escasseia, a vida chama por nós. E se o amor acabou, vamos dançar porquê?
A gentileza que seria precisa para criarmos um caminho suave, um rio que levasse ao mar aqueles que deixamos para trás, aqueles para quem o nosso coração se fecha, não se confunde com misericórdia. E são os próprios desamados que nos dizem: deixa-me ir, não preciso da tua pena. Como se acompanhar quem amámos até ao fim da dança fosse demais para nós, de menos para eles. Adeus. Espero que sejas feliz. Quando não esperamos nada disso, quando desejamos que tudo na vida lhes corra mal, quando só queremos é virar a esquina e deixar de os ver. E somos corteses nas palavras, apenas. Não no tempo, não nos gestos. Medimos a nossa humanidade pela capacidade que temos de nos despedir com as palavras certas: desejo-te tudo de bom. Não sou capaz de te acompanhar até ao fim da rua, não quero saber se amanhã estás a morrer de solidão, não me mostres, por favor, o fim do amor. Mas sou capaz de ser educado.
E se fossemos capazes de uma intuição maior, de percebermos, enquanto ainda há amor, quando está a acabar? E, nesse momento, paramos. Não queremos viver aquele final, prescindimos do que ainda é bom e usamo-lo para construir o caminho que nos leva ao fim do amor. Antes que seja mau. Antes que acabe. Como quem vem embora a meio das férias, porque sabe que os últimos dias são insuportáveis, já está tudo farto, é preciso fazer as malas. Ir embora antes de fazer as malas. Dar-te a mão, levar-te e dizer-te adeus antes de ser preciso. Adeus, meu amor. Antes de termos filhos. Antes de construirmos a nossa casa. Antes de sermos. Adeus. Levo-te com o amor que te tenho para um sítio em que não sintas o meu amor acabar. Adeus. Parece cruel. Tão cruel como olharmos sem amor para os que já amámos? Tão cruel como dizermos: vai agora, adeus, sem meu amor? Dance me to the end of love.
Talvez devêssemos parar antes de começar. Olá, meu amor, adeus. Encontrei-te, que bom, agora é melhor ires, enquanto quero dançar-te até ao fim. Assim como uma eutanásia preventiva do amor. O amor vai ficar doente, faz parte da sua génese, não há esperança, não há vacina. No fim, só dor. Mata-me. Mato-te, meu amor. Estás doente, mato-te, evito-te o sofrimento. Era capaz de te matar para não te ver acabar.
Ou então não paramos. E levamos o amor à exaustão. Dança até ao fim do amor. Mas estou cansada, já passámos por aqui, este volteio já o sabemos de cor, a tua mão na minha cintura, os passos que falhámos, os passos que ainda podíamos acertar, já dançámos tantas vezes esta música, não me pises agora, ainda me dói. Continua, não pares. Tem de te doer. Tens de continuar, mesmo com os pés em sangue, mesmo com os braços dormentes que carregam um amor moribundo, não pares. Não o deixes morrer parado, dança com ele nos braços até acabar, deixa-o morrer suavemente num compasso ¾, Take this walz. Deixa-o morrer de saltos altos, no abraço trágico de um tango. Leva-me para Buenos Aires. Deixa-o morrer enquanto danças.
RD, 21.06.2011
RD, 21.06.2011
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