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segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Cada vez que dizemos adeus


À Mena, que cuida das infestantes como se fossem rainhas.
Àqueles de quem não me quero despedir, antes dizer "estou aqui".

… eu morro um pouco. Traduzido não funciona tão bem, mas não queria mais um título em inglês. Este tinha de ser em português. E na nossa língua não nos faltam formas de dizer a velha dor humana que ainda não soubemos curar. Por maior que seja o desespero, nenhuma ausência é mais funda do que a tua. Aquela triste e leda madrugada. E por aí fora. O difícil é escolher. Em cores de quadros, em ângulos de esculturas, em sons de vozes cantadas, damos forma ao adeus, tentamos aprender a viver com ele, exorcizamos o mal que nos faz, tapamos a ferida aberta com um penso pequenino, mal colado, uma ponta levantada e começa-se a ver o abismo sulcado pelo o que levaste contigo.

Seja por umas semanas, uns meses, uns dias. O tempo que me separa de ti é em medidas internas. A distância entre nós só pode ser medida a dedos. Porque o que levas de mim contigo não pode ser substituído pelo que me deixas de ti. Este trocar de peças deixa sempre espaços por preencher, sulcos profundos por onde o vento passa e é só escuridão e frio. O que me deixas teu são os lugares do sol. Separamos o nó Górdio do que é meu e do que é teu e tudo fica incompleto. Dizem as más línguas que Alexandre, o Grande, não o separou, cortou-o com a espada, não havia outra maneira. Com sorte, uma boa lâmina, um corte bem feito, sem arestas.

E não encontramos maneiras de treinar o adeus para ser outra coisa. Podíamos excluir da nossa língua as palavras despedida, adeus, saudades. Temos de excluir o mas.

Vais-te embora.

Vou. Agora estou aqui. Olha para mim.

Sim, estás aqui, mas…

Não digas mas, sabes que em nós não há mas.

Sim, tens razão. Estás aqui. Eu estou aqui.

Se aprendêssemos a substituir o adeus pelo estou aqui, talvez fôssemos menos melancólicos. Aprendíamos a aceitar o presente com o laço que traz em cima, embrulho generoso do tempo que tendemos a ignorar, de olhos postos a chorar o passado, de olhos postos a ansiar o futuro. O presente não carece de adeus.

Cada vez que dizemos adeus. Mais um pedaço que me falta. Sei em ti onde me levas, é numa parte incerta, lá dentro. Encontro-a porque está dorida das tuas noites de vigília. Sabes-me infestante, como as flores comestíveis, e tens medo que eu saia do espaço limitado em que me guardas. Mas não queres que te me arranquem as raízes e por isso vigias. Cuidas e vigias. Preço elevado por flores comestíveis, bravias, que crescem no meio das ervas, em qualquer terra.

Sei onde te guardo, porque é por todo o lado. E às vezes não sei se o que faço é meu ou teu. Se a força com que enfrento a água de olhos abertos é minha ou tua. Se aquela frase que escrevi no outro texto era feita de palavras minhas ou tuas. Quero comer as bolachas como tu as comes.

Sei onde me faltas, e é sobretudo em mim. Não é de ti que sinto falta. É de mim, da pessoa que eu sou quando estou contigo. Mas tento aprender a falar sem mas e tu estás aqui.

RD, 22.08.2011

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