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terça-feira, 16 de agosto de 2011

O texto da minha religião

Dado o sucesso do último texto, e mantendo a afirmação de que não aceito inscrições para a minha religião (a menos que paguem, claro. Assim torna-se numa religião a sério e tenho isenção de impostos. Nem eu sou assim tão esquisita), pensei nos fundamentos da minha Igreja. Preciso de uma pedra. Preciso de mandamentos. De pecados. E de virtudes. Não me parece complicado, já que não tem de ser um sistema coerente. Se o fosse, não seria uma religião. E as cosmogonias não precisam de coerência, só de ordem. A ordem é a que nós quisermos, podemos até optar por uma ordem feita de desordem.
Feitos os desnecessários preâmbulos iniciais, passemos então ao texto que enforma a minha religião. Começo pelos mandamentos, invocando a legitimidade, ao abrigo da liberdade de expressão, de adoptar alguns mandamentos de religiões alheias. E adaptar, já agora, porque se não era apenas uma mistura de ingredientes que nunca chegaria a dar um molho. E o molho é importante para a religião, para não ficar sensaborona.
1º mandamento: Não comerás bolo de chocolate à segunda-feira.
2.º mandamento: Não dormirás com quem não te apetecer.
3º mandamento: Tem de lhe apetecer a ele/ela também.
4º mandamento: Ri-te sempre, ri-te muito. Ri-te, sobretudo, de ti próprio. Quem não sabe rir, não presta para nada.
5º mandamento: Despacha o trabalho e bem feito, para aproveitares as horas de descanso.
6º mandamento: Se descansas, não deixes que te interrompam.
7º mandamento: Faz aos outros o que gostavas que te fizessem a ti. Quero dizer. Nem tudo. Faz umas coisas a uns e outras a outros.
8.º mandamento: Todas as criaturas têm o seu lugar na terra, respeita-as.
9.º mandamento: Se não fazes nada de jeito, não gastes o oxigénio dos outros.
10º mandamento: A família é o melhor que há. Não passes férias com eles.

Fundados os pilares da minha religião neste solo, vamos aos pecados e virtudes. O que significa pensar em castigos e recompensas. Veremos quando lá chegarmos.
Pecados capitais (é só para manter a designação. Aplicam-se também fora da capital. Não há pena capital, somos um povo pacífico.)
1 – Recusar-se a aprender.
2 – Comer mais do que a altura o permite.
3 – Dizer banalidades.
4 – Responder com generalizações (tipo: pois, as pessoas são assim. Quais pessoas, pá?).
5 – Usar chinelos sem ser para ir para a praia.
6 – Usar leggings brancas.
7 – Começar mais do que um terço das frases por “Eu”.

Não está mal. Continuemos.
Virtudes
1 – Fazer rir os outros.
2 – Dar mimo a quem precisa dele.
3 – Ouvir um chato, de vez em quando (uma vez por mês chega).
4 – Alimentar quem tem fome, desde que não sejam adolescentes.
5 – Estar disponível para ajudar, sobretudo quando o que estamos a fazer é uma seca. Geralmente, é.
6 – Não desistir de nós e dos outros facilmente, só porque nós e os outros somos difíceis de resolver.
7 – Amar um cão.

Como castigos e recompensas, e para não nos cansarmos mais que o exercício de elaboração teológica já vai longo, optamos por um sistema simples de pontos. Some um ponto por cada virtude posta em prática. Retire dois por cada pecado capital cometido em actos (em pensamentos não conta, cada um pensa o que quer). No fim do mês faça as contas. Se o saldo for negativo, escolhe duas virtudes para melhorar e dois pecados para combater. Se ao fim de seis meses não tiver melhorado nada, procure outra religião, esta não é para si. Se já conseguir um saldo positivo, mude de religião na mesma, esta já lhe deu tudo o que tinha a dar. Se está confuso, fique contente, essa é a disposição certa para ter fé. Aceite. E faça contas. Não tem de se preocupar com mais nada.
RD, 14.08.2011

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