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terça-feira, 13 de setembro de 2011

Hoje comi um pastel de nata


Hoje comi um pastel de nata.

Tu? Comeste um pastel de nata?

Sim. Quero dizer, comi oito pastéis de nata.

Oito? Como oito?

Não, não foram oito. Mas para mim, comer um é como comer oito. Pesa-me igualmente na consciência. A verdade é que foram dois, de seguida, o que é terrível. Nunca tinha comido dois pastéis de nata de seguida.

Sentes-te assim tão mal?

Com os pastéis de nata?

Não, contigo, para precisares de comer pastéis de nata.

Como é que achas que eu me sinto?

Não sei. Quero dizer, vejo que estás mal. Mas não compreendo. Decidiste estar mal. Não precisas de estar.

Não preciso de estar? Decido estar mal porque gosto de me sentir mal?

Parece que sim, não precisas de estar mal. Podias olhar para as coisas bonitas…

As coisas bonitas? O que há de bonito em não estares aqui, comigo?

Lá começas tu.

É a verdade.

Porque é que tens de ser tão dramática? Não me perdeste. Não posso estar aí, é diferente. E pensar em ti só me faz sentir bem, não preciso de comer pastéis de nata.

Pensar no que sentes por mim faz-te sentir bem? Como olhar para uma fotografia de um momento bonito?

Sim, mais ou menos como isso.

Pois, as fotografias não se mexem, não nos ameaçam.

E lá vem novo ataque. Qualquer coisa que eu diga serve sempre para me atacares.

Pois é, se calhar porque é a única coisa que tenho. Palavras, e já nem bonitas.

Não, tens a leveza do que vivemos.

Não, tenho o peso do que não vivemos.

Claro, tens de ver sempre pela negativa. Sabes que podemos escolher aquilo em que pensamos?

Sei. Posso pensar em pastéis de nata. Sabem-me bem e não me magoam.

Bom, mas pesam-te na consciência.

Tu também. Não me pesas na balança, tens a vantagem de ser low fat.

Tenho alguma coisa de bom? Nem parece teu.

Sabes que eu não gosto de ver as coisas más. Não escolho vê-las. Mas não consigo esse exercício de alienação que tu consegues, que é não as ver. Como se não pesassem.

Pesam. Só que eu decido que as bonitas pesam mais.

Que conversa parva. Prefiro pastéis de nata. Pesam na consciência. Mas não têm metafísica.

Não me perdeste, não me vais perder nunca.

Que conversa idiota. Os pastéis de nata são incrivelmente honestos, sabes? Tu olhas para eles e eles dizem-te: come-me. Vou engordar-te, não te enganes. Mas vou saber-te bem. E não te dou conversas parvas. Mais honesto do que um pastel de nata, só um mil-folhas.

Agora conversas com bolos?

Sim, pode ser muito compensador. E a seguir como-os e eles não falam mais. Tu ressonas?

Que raio de pergunta é essa? Sabes bem que sim.

Pois sei. Olhe, se faz favor, traga-me mais dois pasteis de nata.

Dois? Sabes que eu não gosto de pasteis de nata.

Sei, são para mim.


RD, 9.09.2011

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